segunda-feira, dezembro 18, 2006

A última dúvida

A natureza da razão contém o princípio da dúvida. Imediatamente partir da determinação de que algo é, inevitavelmente produz-se o contraponto deste ser, o que não é. Aquilo que a razão cria como ponto de partida para sua análise traz consigo, na iminente bifurcação do pensamento, um par que corresponde à sua sombra, aquilo que lhe falta, aquilo que representa sua incompletude, fazendo do pensamento racional um paradoxo infinito que consiste em procurar atingir a verdade absoluta se valendo de seu próprio contraponto, a irracionalidade. Ora, definir racionalmente o ser de uma maneira absoluta requer a negação da racionalidade, pois se algo é absoluto assim o é por nunca haver sido submetido à lâmina segregadora da razão. Ao conceber a própria idéia de racionalidade, ao se auto-analisar, a razão não escapa de sua própria natureza e termina assim por duvidar da própria veracidade.

Pois bem, sendo este um texto que se vale da racionalidade para desenvolver-se, chego agora ao último estágio possível nesta condição. A dúvida que finalmente se apresenta diante da razão ao iluminar a si própria e produzir seu próprio contraponto é a concepção da possibilidade outra: a de que a verdade poderia também ser evidenciada através da irracionalidade, ou seja, através da fé. Por sua vez, analisando a natureza da fé, a razão se depara com uma verdade absoluta, algo que é absoluto em si próprio por seguir um princípio que não dá margem à dúvida. É completo em si.

Diante da dúvida entre ela própria e a fé, a razão entra em colapso, pois a racionalidade que se propõe a chegar à verdade absoluta acaba tendo que optar por uma das verdades que a dúvida inevitavelmente lhe apresentará, abandonando a outra possibilidade. Portanto, só se chega à verdade absoluta através da razão se esta adotar a fé como princípio. Se a razão permanece com a razão tem-se a eterna dúvida. O abandono da razão pela razão a transforma em fé, em eterna e absoluta certeza.

sábado, dezembro 16, 2006

Inferno

Por que fazer o que é certo? O que é certo não é apenas o que é certo para mim? Estaria certo então fazer o que é certo se o que é certo só é certo para mim? Estaria certo dizer que o outro está errado? Se o outro está apenas fazendo o que é certo para ele? Mas devo eu me condenar por condenar o outro se só estou defendendo o que é certo para mim (que o outro está errado)? Se estar certo depende somente de julgamentos pessoais então não estamos todos certos? Mas os julgamentos pessoais não nos dizem que o outro está errado, mesmo estando certo para si? Está certo reter seus julgamentos e não dizer o que acha ser certo? Não está aí o princípio de liberdade? Mas a fonte do julgamento não está nos interesses pessoais, ou seja, não julgo eu o que só eu acho ser o certo? Não seria meu julgamento então totalmente parcial? E não é a parcialidade que mata a liberdade do outro? Está certo abrir mão de julgar mesmo sendo julgado o tempo inteiro? O justo não seria que todos se julgassem livremente? Ou será que o certo é não julgar ninguém? Mas quem sou eu para julgar o que é certo? Então quem é você para julgar o que é certo? Como faço para saber o que fazer e fazer certo? E se eu achar errado fazer o que acho certo pois para o outro isto pode estar errado? E o outro está certo em julgar ser certo achar errado o que eu faço?

Tenho que entender que eu tenho que parar de tentar entender tudo. Tenho que me conhecer. Tenho que parar de tentar me conhecer. Não posso dizer que me reconheço em lugar algum pois nunca soube quem eu sou. E quanto mais eu procuro mais eu me perco e menos sei sobre mim. Posso ser tudo, qualquer coisa, posso agir de qualquer jeito. É só escolher entre seguir a mim mesmo ou não seguir, tomar outro rumo - que não deixa de ser eu. Então não sou nada e sou tudo ao mesmo tempo? Isto está certo? Ou tenho que decidir um caminho e negar o outro? Vou sofrer de qualquer jeito... Isso está certo? Não consigo responder, mas não consigo viver sem procurar a resposta. E não consigo viver com essa dúvida. E consigo viver em dúvida procurando uma resposta.

Que fardo é esse??? Não saber nada! Achar que sei! Descobrir que não sei! E procurar saber de novo sabendo que nunca saberei! Não ter nada por não acreditar em nada e ao mesmo tempo abraçar tudo e crer que estou fazendo tudo certo! Me convencendo que estou errado o tempo todo e tentando me convencer que o certo está onde eu não estou. Pois achar que estou certo me faz achar que estou errado. E me julgar errado pode ser o certo a fazer.

Não há método, são todos questionáveis. Não há respostas, são todas faces da mesma verdade nunca alcançada em sua plenitude. Se minha plenitude estiver pairando sobre mim vou duvidar disso, esta é a minha prisão. Não há redenção. Uma vez entrei aqui e agora vejo que é impossível sair. Pois essa é a minha realidade, que não está em nenhum lugar por isso não tem saída. Ao mesmo tempo algumas das minhas crenças parecem certas. Mas ao acreditar nelas as torno duvidosas! O que é isso??? Se não creio em nada então não há motivo para nada. E isso significa que creio que não há um motivo. Se minha realidade fosse a crença eu poderia sair sim, ir para outra crença. Mas minha natureza duvida de si própria e estou ao mesmo tempo preso a isso e livre de assumir uma posição. Estou preso na liberdade.